- Apr 7, 2007
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1 UM OLHAR SOBRE O LOBO SOLITRIO DE KAZUO KOIKE KOJIMA Adriana Borgo da CUNHA (Universidade do Sul de Santa Catarina) ABSTRACT: The article presents one brief description of the speeches of the sleeve (historians in Japanese quadrinhos) taking as corpus for analysis vol.I and II of the series in quadrinhos, the Solitary Wolf of Kazuo Koike and Goseki kojima. Mangs, as is called in Japan is characteristic for possessing a wealth of images, that if sobressaem to the writing, this study has, therefore, as objective to inside investigate the conditions of imagtica production of the quadrinhos, identifying the assujeitamento relations, breaching the borders of the daily pay-constructed one. For in such a way, the use of them becomes necessary arrives in port theoretical of Analise of the Speech of French orientation (A.D).Filiar this research the AFTER CHRIST means, therefore, to approach the language while speech, seen as articuladora of the ideological processes and the linguistic phenomena. KEYWORDS: Speech; image; ideologias. 1. Introduo O objeto deste estudo a srie de histrias em quadrinhos intitulada o Lobo Solitrio de Kazuo Koike e Goseki kojima. Publicada nos anos 70 no Japo onde a arte quadrinheira recebe o nome de Mang. O Lobo Solitrio conta a histria de um guerreiro samurai, Itto Ogami. Vtima de intrigas polticas que acusado de conspirar contra o Shogum. Sua habilidade com a espada, torna-se uma lenda. Como a fama de Itto cresce e espalha-se pelo Japo, a inveja e a cobia tambm crescem e espalham-se despertando a inveja do cl Yagyu, composto por assassinos que almejavam assumir o cargo de Ogami, estes forjam provas contra Itto Ogami, e matam sua mulher. Itto e seu filho escapam porque estavam em um lugar prximo no momento do assassinato. Ao voltar para casa, jura perante o corpo da esposa morta, lavar sua honra, e restabelecer a verdade. No entanto, o primeiro passo fugir, e Itto parte, vagando pelo Japo feudal, como um ronin (Samurai sem mestre), tentando limpar seu nome, levando consigo o seu filho o pequeno Daigoro, um beb, que cresce vendo seu pai, devido s necessidades de sobrevivncia, vender seus servios como mercenrio assassino, muitas vezes tendo que como escolha apenas a morte, matando para no morrer. Nesta trilha de sangue e gloria eles ficam conhecidos como Lobo Solitrio e Filhote. Desde a pr-histria podem se verificar, registros de imagens exercitadas pelo homem, com traados representativos de animais selvagens que cercavam e ameaavam a existncia e o universo primitivo. As culturas mais antigas, tais como os egpcios e os gregos, contavam histrias por meio de seqncias de figuras desenhadas. Na virada do sculo 20, os gibis viraram um fenmeno comercial e artstico nos Estados Unidos, pela sua forma fcil de comunicao. Tanto histrias divertidas como dramas eram estampados nos quadrinhos. O interesse era tanto que no demorou em as empresas explorarem o tema atravs da comercializao de licenas, a venda de brinquedos com a imagem dos personagens, programas de rdio e filmes, j na primeira dcada de 1900. Durante a Segunda Guerra Mundial, foram criados vrios super-heris norte- americanos para ajudar na luta dos Estados Unidos contra a Alemanha e o Japo. Depois, a temtica ampliou-se para a reproduo de clssicos, fico cientfica, aventuras, romances, crimes e horror. Devido censura na dcada de 50, muitas editoras foram falncia, principalmente nos Estados Unidos. O renascimento aconteceu nos anos 60, com a criao de mais uma srie 434
2 de personagens conhecidos, como o Homem Aranha. No Japo os quadrinhos ficaram conhecidos como Mangs. A palavra Mang se origina da unio de duas palavras do alfabeto Kanfi (um dos trs existentes no Japo): Manketsu (conto ou histria) e Fshiko (ilustrao). O mang mais antigo j encontrado data de 1702 (Tobae Sankokushi) e j tinha diviso em quadrinhos e bales. A origem dos mangs o Teatro das Sombras ou Oricom Shohatsu, no qual um grupo de artistas japoneses percorria os vilarejos, na poca feudal contando lendas por meio de fantoches. As lendas acabaram sendo escritas em rolos de papel e ilustradas, dando origem a histrias seqenciais. As editoras de mang no Japo comearam a se desenvolver em 1920 e viveram um grande auge at a dcada de 40. Com a segunda guerra mundial, a produo foi interrompida, mas voltou aps 45, graas em parte ao plano Marshall, que destinou verbas para os livros japoneses. Com uma populao estimulada a ler e poucas atraes culturais a guerra havia destrudo a maioria dos lugares destinados cultura e ao ensino de artes, as editoras de mang viveram um de seus maiores booms. nesta poca, por sinal, que surge Ossamu Tezuka, o "Walt Disney Japons". Entre outros, Tezuka criou A Princesa e o Cavaleiro (ou princesa Safiri, ou Ribon No Kishi), o Menino Binico e Kimba. Mais ainda, o autor criou o estilo mais presente nos mangs: os olhos grandes dos personagens, presentes at hoje e que transformaram o nome de Tezuka no do maior desenhista japons de HQS. Outro grande destaque entre os quadrinistas japoneses foi a dupla Kazuo Koike e Goseki Kojima, que criou o famoso Ronin Yasha, bem mais conhecido entre os fs brasileiros como Lobo Solitrio, o personagem teria gerado admirao at mesmo por parte do quadrinista americano Frank Miller, que, ao que consta, "bebeu" na fonte do Lobo para criar seu Ronin. O Lobo, por sinal, no foi o nico Mang famoso de Koike: mais tarde, ele criaria Crying Freeman. A maioria dos mangs acabou indo para a TV, em forma de desenho animado (anime). Entre os mais famosos, alm da j citada princesa Safiri, vieram Speed Racer (no original, Go Mifume), uma verso japonesa (e depressiva) de Pinquio e posteriormente Sailor Moon, Cavaleiros do Zodaco e Dragon Ball Z, entre outros. J Pokmon, um dos favoritos da crianada, se originou de um videogame da nintendo, mas antes de virar anime tambm passou pelo Mang. O Japo o maior consumidor de quadrinhos no mundo (LUYTEN, 2000 p. 219), com um mercado altamente segmentado: h revistas para homens e mulheres, crianas, adolescentes e adultos. As revistas mais conhecidas costumam ser semanais, so impressas em papel-jornal de baixa qualidade, e incluem captulos de cerca de 10 sries. As sries que ganham interesse no mercado geralmente so republicadas em volumes individuais (tankoubon) de qualidade melhor de papel e de impresso; tambm podem ser adaptadas para animao (anime). Desde cedo, os indivduos no Japo so ensinados a agir adequadamente dentro de regras de etiquetas inflexveis. Em nome da tradio, elas formam um emaranhado de obrigaes sociais das quais dificilmente uma pessoa pode escapar. Mais difcil ainda escapar do controle multidirecional e onipresente para que essas regras no deixem de ser cumpridas. Ao contrrio do que se possam imaginar, no Japo, as pessoas, de certa forma, sentem- se seguras e amparadas por esse controle. Chega a ser um caminho que leva o indivduo a praticar a virtude pelo prprio fato de estar sendo observado. Consciente ou inconscientemente, todos so participantes ativos no exerccio da vigilncia, inclusive os mangs. 435
3 Mas se, de um lado, os mangs endossam o controle social, lembrando constantemente os indivduos do complexo de leis sociais s quais estes esto sujeitos, de outro lhe oferecem tambm o outro gume da faca: uma possibilidade de fuga pela fantasia. (...) Vivenciando na fantasia o que no pode o que no pode concretamente realizar na realidade, o leitor encontra no mang um meio comportado de canalizar e extravasar suas emoes (...) Cada sociedade oferece, sua maneira, mecanismos de fuga para o povo: drogas, futebol e religio. No Japo, o mang (LUYTEN, 2000, p. 223). 2. Criatura e criador Lobo Solitrio e Filhote um mang que comeou a ser publicado no ano de 1970 no Japo, com criao e roteiro de Kazuo Koike (nascido em 1936), e arte de Goseki Kojima (1928-2000). Ainda hoje considerado uma das obras primas do mang, pelo excelente argumento e os belssimos desenhos de Goseki Kojima, e inspirou vrias adaptaes para cinema nos anos 80. (Os filmes baseados em Lobo Solitrio e Filhote so conhecidos por sua fidelidade histria do mang). As histrias de Lobo Solitrio e Filhote se passam no Perodo Edo da histria do Japo. Os personagens principais so Ogami Itto ou Itto Ogami, dependendo da traduo ex- executor do shogun (uma espcie de assassino poltico) e seu filho Daigoro. Os membros do cl Ogami eram destinados a se tornar os executores (kaishakunin), a nica autoridade com permisso para matar um daimyo (senhor Feudal). Mas a famlia Yagyu arquitetou uma farsa para que Itto fosse acusado de traio e condenado ao seppuku: executou todo o cl Ogami, exceto por Itto e seu filho recm-nascido; escondeu em seu templo pessoal uma tbua funerria com o smbolo do shogunato; e preparou uma falsa confisso zankanjo dizendo onde o objeto estaria escondido. Uma confisso zankanjo era uma declarao de culpa assinada com o sangue de um samurai que se matava em seguida. Se o plano tivesse funcionado, o executor seria condenado, se suicidaria e seu posto ficaria vago. O cl Yagyu que j tinha a funo de assassinos secretos do shogun passaria a ser tambm os kaishakunin. Eles j controlavam os ninja kurokuwa, a terceira polcia poltica do shogun. Na tentativa de impedir que Itto escapasse sentena, o lder do Yagyu props-lhe um duelo. (O simples assassinato do Ogami consistiria de um crime, porque ele ainda carregava a Rosa-malva, um emblema oficial do shogunato). Num duelo de apenas um golpe, Itto matou seu oponente Yagyu, demonstrando sua excepcional habilidade, mesmo em situaes desvantajosas: Itto lutou carregando o filho nas costas e com o sol contra o rosto. Aps a recusa ao suicdio, Ogami Itto passa a andar pelo Japo como um assassino de aluguel, tentando reverter sua condio e lavar sua honra, mas para sobreviver obrigado a trilhar por um caminho de sombras e sangue, sendo contratado geralmente para matar alvos difceis e pessoas influentes. Itto Ogami o protagonista da srie. Provavelmente o maior espadachim do Japo, ele conhece uma enorme gama de estilos, inclusive o estilo "suyo" prprio dos executores. As habilidades do Lobo Solitrio no se resumem ao manejo da espada, entretanto. Ele um grande conhecedor de estratgia militar, do cenrio poltico do Japo e do modo de pensar de seus conterrneos. Nada surpreende Ogami Itto, que parece conhecer plenamente os planos de seus inimigos antes que se consumem. Curiosamente, essa sua infalibilidade e quase oniscincia lembram o personagem Sherlock Holmes, que tambm quase nunca deixa de prever um movimento de seus adversrios. 436
4 Kazuo Koi desempenhou um papel crucial com o Lobo Solitrio na remodelao dos quadrinhos no mundo. Koi aponta um novo paradigma quanto aos heris, trazendo ao mundo um novo personagem: o anti-heri pea chave na exploso quadrinhesca dos anos 80. 3. Anlise As H.Q do Lobo Solitrio, desde o incio prendem a ateno do leitor e ditam a seqncia que ele seguir na narrativa, atravs do forte apelo imagtico de Koike, que faz-se valer de um pano de fundo histrico bastante detalhista retratando fielmente o Japo feudal do sc. XVII. Kazuo Koike transforma a saga de Itto Ogami em uma srie de cdigos que expressaram todo um contexto com os costumes e tradio do Japo feudal da poca tratando de temas complexos para o povo japons, como ser o fato do suicdio, que perdurou at 1868, com o fim da era Tokuawa. O Lobo Solitrio apresenta fortes influncias da narrativa cinematogrfica. O uso reduzido dos dilogos serve para reforar a ao que certos momentos parecem soltar-se das pginas demonstrando a viabilidade de imagens extradas da cultura oriental. As aventuras de Itto Ogami e Daigoro destacam-se por uma srie de motivos produzindo um efeito de sentido que transitara entre a imagem de um assassino obstinado e uma criana fofinha. A figura de Daigoro evoca uma emoo especfica, ele refora a obstinao do pai em salvar sua honra (ponto crucial para os japoneses da poca feudal) e, aponta um grande preceito da cultura oriental, que a educao dos filhos cabe exclusiva ao pai. Mas vale salientar e recorrendo a materialidade histrica que os japoneses so cruis a figura de Daigoro por nenhum momento abala a cruel imagem do impiedoso pai que segue pelo Japo em busca de sua vingana. Para este entendimento, faz-se necessrio o conhecimento do pr- construdo. Este constitui segundo Pcheux, (1988, p. 99) um dos pontos fundamentais da articulao da teoria dos discursos com a lingstica. O termo designa aquilo que remete a uma construo anterior e exterior, independente, por oposio ao que construdo pelo enunciado. o elemento que irrompe na superfcie discursiva como se estivesse j-a. Significa dizer que as condies de interpretao do lingstico, da parte do discurso que se materializou pelo enunciado, s so possveis na medida em que as construes anteriores a ele forem consideradas. Pode-se dizer que a significao do Japo em seu perodo feudal fundamental para o leitor atribuir sentido as histrias do Lobo. A construo textual, tanto quanto, a construo imagtica, ambas suscitam a construes anteriores, que exigem do seu leitor o uso de uma memria social, o que em A.D significa o pr-construido. Em relao ao Lobo Solitrio, pelo menos duas conjunturas anteriores e exteriores aos acontecimentos, fazem-se necessrias para a atribuio de sentido as atitudes de Itto Ogami. Na figura de um guerreiro samurai, Itto Ogami recebe sua misso: servir com total lealdade e empenho, submetendo-se ao bushid, que era um cdigo de honra no escrito, o qual todo samurai precisava submeter-se. Os japoneses neste perodo nasciam e cresciam idolatrando os preceitos do bushid, onde no se admitia qualquer demonstrao de medo, e a mxima entre eles, era a de que a vida limitada, mas o nome e a honra podem durar para sempre. Por causa disso, Itto Ogami no aceita ser condenado injustamente, e segue em busca de sua honra. Ao escolher este caminho Itto Ogami passa de samurai a ronin (como eram denominados os samurais que se recusavam a praticar o seppuku).O Seppuku o termo formal para o ritual suicida chamado popularmente de harakiri . Harakiri significa literalmente "cortar a barriga" ou "cortar o estmago". Era cometido por samurais. Seppuku a parte chave do Bushido, o cdigo dos guerreiros samurais. Era utilizado pelos guerreiros para evitar cair nas mos dos inimigos e 437
5 para atenuar a vergonha que isso causaria. Os samurais podiam tambm receber ordens dos daimyo (senhores feudais) para que cometessem seppuku. No mundo dos guerreiros, seppuku era um feito de bravura que era admirado em um samurai que sabia haver sido derrotado, cado em desgraa ou mortalmente ferido. Significava que ele poderia terminar seus dias com os seus erros apagados e sua reputao no apenas intacta como engrandecida. O corte do abdmen liberava o esprito do samurai da forma mais dramtica, sendo uma forma extremamente dolorosa e desagradvel de morrer, e algumas vezes o samurai que o fazia pedia a um companheiro leal que lhe cortasse a cabea no momento de agonia. Ao seguir, carregando seu pequeno filho, Itto, preserva outro ponto forte aos preceitos do buschid, o fato de que o pai o responsvel imediato da educao dos filhos (a esposa cooperava), mas era ponto de honra que o prprio pai, educasse seu filho, primando por uma educao rigorosa e intensiva. O filho de Itto uma criana prodgio, Ogami Daigoro, aparenta no ter mais de quatro anos, mas foi educado na tica inflexvel do pai. Quando Itto decidiu tornar-se um assassino, ele era apenas um beb. Seu pai lhe ofereceu uma bola e uma espada e caso a criana escolhesse a bola, ele a mataria: Daigoro! Voc deve achar seu prprio caminho! Escolha a dotanuki e junte-se ao seu pai na estrada do assassino. Escolha a temari e eu te mandarei para junto de sua me em yomi, a terra dos espritos. O pai de Daigoro no tem receio em usar o filho como isca. Numa histria ele fez com que o filho urinasse num nobre para ter um pretexto para exigir um duelo. Em outra ele chega ao ponto de abandonar o filho num rio para matar o homem que vem salv-lo. No fim da mesma histria, ele torna a usar o filho de isca para atingir seu verdadeiro alvo, e justifica o risco a que expe a criana, alegando uma espcie de empatia: Um pai conhece o corao do filho, como s o filho conhece o do pai. Um estranho no entenderia. Por outro lado, Daigoro est longe de ser indefeso. Ele j chegou a ferir adultos, embora derrotado em seguida e at mesmo a matar. Alm disso, ele segue os preceitos do bushid (cdigo e normas para os guerreiros samurais) da mesma forma que o pai, como no demonstrar medo, por exemplo. Mesmo nessa batalha em que foi derrotado por um adulto, seu adversrio se espantou com a postura to madura que o menino tomou com a espada. (Ele ergueu a espada para um golpe apropriado para derrubar o cavalo do inimigo. A atitude se mostra lgica se comparamos a diferena de estatura entre um homem montado e um homem a p com a entre uma criana e um adulto). Em companhia destas condies histricas o Lobo segue seu caminho com o pequeno Daiogoro. Para que se desenvolva uma interao entre o leitor e sua memria discursiva, faz-se necessrio que o leitor recorra ao pr-construdo, interpelando, imagens e ideologias armazenadas na sua mente ao longo do tempo. Recorrendo a questo ideolgica, nas palavras de Althusser: (...) toda ideologia tem por funo constituir indivduos concretos em sujeitos. Neste processo de constituio, a interpelao e o (re) conhecimento exercem papel importante no funcionamento de toda ideologia, funcionando nos rituais materiais da vida cotidiana, opera a transformao dos indivduos em sujeitos. O reconhecimento se d no momento em que o sujeito se insere a si mesmo e as suas aes, em prticas reguladas pelos aparelhos ideolgicos. Como categoria constitutiva da ideologia, ser somente atravs do sujeito e no sujeito que a existncia da ideologia ser possvel (ALTHUSSER, apud BRANDO, 1994, p. 23). 438
6 O indivduo, embora tenha a iluso de autonomia discursiva, submete-se livremente s condies de produo a que est sujeito, inserindo a si mesmo a seu discurso em determinada prtica ideolgica. Sujeito e ideologia formam um par inseparvel, pois este tem sua posio enunciada e reconhecida por aquela, ao mesmo tempo em que a ideologia precisa do sujeito para manifestar-se e continuar seu movimento. Em Anlise do Discurso, o processo pelo qual o indivduo reconhece e aceita o pr- construdo como sendo seu sentido, chama-se assujeitamento, o qual condio necessria para que o indivduo torne-se sujeito. Na trajetria histrica dos samurais, vrios discursos foram incorporados, fazendo parte da memria discursiva, de tal forma que, quando evocados, so inerentes ao seu enunciador, de modo a no causar estranhamento. Por outro lado, a posio de Itto Ogami tambm produziu discursos anteriores, nos quais so reconhecidos a condio de Ronin (Samurai desempregado, desertor e renegado) com todo o cenrio caracterstico, onde o Ronin, no tem lar nem ptria. A forma sujeito do Lobo Solitrio insere-se em uma formao discursiva que reconhece na figura do Lobo, o representante pela quebra de padres e normas impostas socialmente. No momento em que Itto Ogami, assume sua identidade de Lobo Solitrio, executando friamente seus assassinatos, seu filho sempre est ao seu lado, muitas vezes auxiliando o pai em seus crimes, estas cenas, produzem uma ruptura, um deslocamento de sentido, por juntar em uma s imagem duas formas-sujeito distintamente construdas na memria do leitor: a do assassino (frio e sem piedade) e a do pai (que se sente responsvel pelo filho e no o abandona por nenhum momento). Ideologicamente constituda, no sentido marxista do termo, a posio do Lobo carrega consigo a historicidade dos grandes samurais do perodo do Edo. Durante todo o caminho do Lobo, percebe-se fortemente uma postura simblica retratando todo um povo em torno da devoo a imagem dos samurais. A predominncia da narrativa visual no desproposital, ela esta intimamente atrelada cultura japonesa, onde as pessoas esto to habituadas com a linguagem gestual chegando muitas vezes a desprezar a expresso verbal, j que, para eles, seus atos so um reflexo do eu interior de cada um, e eles aprendem desde cedo a analisar os atos de outros, para que assim possam compreender as pessoas ao seu redor atravs de seu atos. Com efeito, para compreender o carter histrico que envolve o Lobo Solitrio h que, se compreender suas condies de produo. A partir dos estudos voltados ao Japo feudal, podemos perceber os nuances filosficos da poca transpondo o Japo feudal e seus ligos de honra para os anos 70, onde se tm incio as aventuras do Lobo. A respeito das condies de produo, recorro a Orlandi (1999, p. 39): As condies de produo, que constituem os discursos, funcionam de acordo com certos fatores. Uma delas o que chamamos de relao de sentidos. Segundo esta noo, no h discurso que no se relacione com outros. Em outras palavras, os sentidos resultam de relaes: um discurso aponta para outros que o sustentam, assim como para dizeres futuros. Todo discurso visto como um estado de um processo discursivo mais amplo, contnuo. No h desse modo, comeo absoluto nem ponto final para o discurso. Um dizer tem relao com outros dizeres realizados, imaginados ou possveis. A narrativa dos mangs quase cinematogrfica, o leitor do Lobo Solitrio capturado pelas expresses faciais e corporais que transmitem ao leitor os sentimentos e a personalidade das personagens. 439
7 Os mangs so feitos com o intuito de serem uma experincia visual, muito contrrio aos norte-americanos que so feitos para serem lidos, e possuem uma quantidade muito maior de bales e recordatrios que os mangs. Com os mangs especificamente o Lobo Solitrio, os japoneses viram as portas culturais abrindo-se novamente, passado o perodo ps-guerra, o Japo mostra ao mundo a histria dos samurais suscitando grandes polmicas, e lanando uma nova figura no mundo dos quadrinhos, o anti-heri. O estilo de vida e a tradio militar dos Samurais dominaram a cultura japonesa durante sculos, e permanecem vivos no Japo at os dias de hoje. Hoje o esprito samurai continua vivo na sociedade oriental. Acredita-se que, devido a este fato, o Japo hoje uma das maiores potencias mundiais. Itto passeia com o pequeno Daigoro, ningum imagina que a pequena criana ser cmplice, em mais um dos crimes do pai. Nota-se o senso de observao em Daigoro, ao observar atentamente tudo ao seu redor. (Os charcos ao norte do castelo de Osaka. pg.9) Lobo Solitrio Vol. II. 4. Consideraes finais A atribuio de sentidos uma tarefa que requer algo mais do que o conhecimento da estrutura da lngua, ou mesmo da abrangncia de seu campo semntico. necessrio analisar para alm da seqncia de palavras que formam o enunciado, de modo a abranger as condies de produo e o contexto scio-histrico que envolve a enunciao, numa tentativa de refazer os passos dos dizeres metaforizados. Nas H.Q como a analisada neste trabalho, por mais que sejam recolhidos dados, sempre estaremos enfocando um aspecto de realizao apenas, dada impossibilidade de abranger outros que no foram focados. Estamos, mais uma vez, na posio de expectadores que estabelecem verdades suficientes a partir de dados insuficientes, uma vez que a materialidade do discurso consiste de apenas parte de sua essncia. Os quadrinhos, utilizando a linguagem visual, transformam-se num veculo de idias e informaes afastadas da mera possibilidade de serem apenas um entretenimento visual desprovido de pensamento. O pensamento imagtico suscita diversas possibilidades de anlise, depende apenas da posio do sujeito analista face ao seu material. 440
8 Referncias BRANDO, Helena H. Nagamine. Introduo a anlise do discurso. So Paulo: Editora da Unicamp, 1994. EISNER, WILL Quadrinhos e Arte Seqencial. So Paulo: Martins Fontes, 1989. LUYTEN, S. O que histria em quadrinhos. So Paulo: Brasiliense, 1985. Maffezoli, Michel. A Contemplao do Mundo.Porto Alegre: Artes e Ofcios,1995. ORLANDI, Eni Puccinelli. Anlise do discurso: princpios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 1999. PCHEUX, Michel, Semntica e discurso. Campinas: Unicamp, 1988. KOIKE, Kazuo e Goseki Kojima. O Lobo Solitrio vol. I e II. Mirandpolis, SP: Nova Sampa, 1990. 441
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